sexta-feira, 25 de maio de 2012

Fernando Lopes Graça - Canto de Amor e Morte


CD Duplo PS 5017

Fernando Lopes-Graça – Obras para piano
Canto de Amor e de Morte
Músicas Fúnebres
Música de piano para as crianças
Cosmorama

Piano: José Eduardo Martins

Este duplo CD de música para piano de Fernando Lopes-Graça é resultado duma intensa atividade de investigação do intérprete José Eduardo Martins, cuja dedicação e entrega ao repertório de autores portugueses e à sua divulgação sistemática, nomeadamente através de gravações exemplares tanto na substância musical como na qualidade fonográfica, dificilmente tem competidores, mesmo entre pianistas residentes em Portugal.



O investimento na pesquisa e a paixão com que se dedica à música que interpreta explicam um dos maiores motivos de interesse deste CD duplo, que é a recuperação do original para piano do Canto de Amor e de Morte, uma versão que o compositor deu por “inutilizada”. Trata-se duma peça-chave na obra de Lopes-Graça, composta em 1961 após uma grave crise existencial que quase colocou o compositor à beira do suicídio, e que representa um momento de viragem na sua linguagem musical – acentuando o pendor para um “expressionismo dramático de carácter mais ou menos atonal” (palavras do compositor) que nela se manifestava em estado latente. Essa viragem traduz-se no extremar do princípio da variação evolvente ou amplificadora (entwickelnde Variation ou evolving variation) a partir de figurações elementares melódico-harmónicas e rítmicas. A dissonância (nomeadamente, intervalos de segunda e de sétima obsessivos) está sempre presente e não tem resolução: é a dissonância entre o autor e uma realidade social e política que lhe é odiosa, que lhe é hostil, que o limita drasticamente nas suas expectativas de realização pessoal e artística, que o oprime como ser humano, que o dilacera na sua esfera mais íntima. É a obra confessional de um homem que se “deita ao lado da sua solidão”[1] – um homem, que, proibido pela Ditadura do Estado Novo do exercício da docência (quer nas escolas públicas, quer privadas), perseguido política e economicamente pela sua militância comunista, mas afrontando sempre com intransigência e coragem as adversidades da vida, chegara aos 54 anos confinado a um quarto alugado, pois não tinha meios para arrendar um apartamento próprio. É essa dissonância existencial que emana do gesto global da obra – um gesto expressionista, que vem das profundezas da subjetividade.


[1] Hoje deitei-me ao lado da minha solidão – verso de um dos poemas de Eugénio de Andrade incluído no ciclo de canções para canto e piano As mãos e os frutos, composto por Lopes-Graça em 1959.

(...)

Em Cosmorame (1963) Lopes-Graça dialoga com os povos de todo o mundo numa suite de 21 peças. O título original em francês, acrescido do subtítulo Grand recueil de pièces pour piano: composés sur des airs de divers pays et consacrés à la fraternité des peuples: première partie, previa uma segunda parte, que não chegou a ser composta. Num mundo de conflitos agudizados que espalhavam em vários continentes a devastação e a morte, Lopes-Graça proclama a fraternidade dos povos através da sua música: ...se eu queria celebrar a fraternidade dos povos na paz, na amizade e na compreensão mútuas – ideal que tenho muito a peito –, porque não haveria de me dirigir aos seus cantos e às suas danças, para com eles compor um ramalhete de pecinhas que os irmanasse no meu pensamento e na minha arte, e isto mediante aquilo que mais os individualiza e, ao mesmo tempo, os aproxima em espírito, e já que de outros poderes não disponho para promover a sua aliança? ... não constituirá ao menos um acto de alguma coragem o procurar fazer assumir à arte, à música, na espécie, um gesto de amor, hoje que ela, a música, parece, não direi perdida, mas solipisticamente encerrada no mágico anel das suas experiências e das suas descobertas, e hoje em que, num mundo de trágico desconcerto, os gestos de amor se tornam tão urgentes? Um gesto de amor, este Cosmorama. Conterá ele a arte que possa exalçar esse gesto?[4]
O propósito do compositor é ainda acentuado pela citação do Telémaco de Fénélon, inscrito na partitura: Tout le genre humain n’est qu’une famille dispersée sur la face de toute la terre. Tous les peuples sont frères, et doivent s’aimer comme tels. Malheur à ces impies qui cherchent une gloire cruelle dans le sang de leurs frères, qui est leur propre sang.
Lopes-Graça terminou a obra e escreveu as linhas da sua apresentação acima referidas em plena guerra colonial (deflagrada em 1961), quando soldados portugueses e militantes dos movimentos de libertação de Angola, Guiné Bissau, Cabo Verde e Moçambique se defrontavam em sangrentos combates. Daí ganhar particular relevância política o facto de, no contexto da obra, Portugal e Moçambique serem colocados em pé de igualdade, como povos fraternos.[5] José Eduardo Martins trabalhou detidamente na análise de Cosmorame, aplicou-se no esforço de decomposição estrutural e decifração dramatúrgica, como se não se conformasse com a designação de pecinhas dada pelo compositor. Na sua interpretação, e assim realizada integralmente, a obra surge-nos como um monumento, um memorial à fraternidade dos povos, sobre o pano de fundo de um mundo onde a guerra e as lutas fratricidas continuam a grassar.


Mário Vieira de Carvalho

Cascais, 25 de Março de 2012


[1] Hoje deitei-me ao lado da minha solidão – verso de um dos poemas de Eugénio de Andrade incluído no ciclo de canções para canto e piano As mãos e os frutos, composto por Lopes-Graça em 1959.
[2] Herculana de Carvalho era mãe de Guilherme da Costa Carvalho, dirigente do Partido Comunista Português, que, à data da composição da obra se encontrava prisioneiro no Campo de Concentração do Tarrafal (em Cabo Verde, então sob domínio colonial português) e que chegou a ouvi-la, numa gravação, durante o seu cativeiro.
[3] A evocação da mesma “canção heroica”, Jornada, aparece igualmente na Elegia à memória de D. Herculana de Carvalho, mas mais enfatizada.
[4] Lopes-Graça, texto para a primeira edição fonográfica de Cosmorame, 1967 (Piano: Georges Bernand), citado in: Romeu Pinto da Silva, Tábua Póstuma da Obra Musical de Fernando Lopes-Graça, Lisboa, Caminho, 2009, p. 196.
[5] Eis uma posição diametralmente oposta à do compositor português Joly Braga Santos, que, ao integrar elementos musicais dos marimbeiros de Zavala, colhidos in loco (Moçambique), na sua Sinfonia n.º 5, Virtus Lusitaniae (1966) – uma obra encomendada pelo Estado Novo, também em plena guerra colonial –, acolheu o ponto de vista oficial do regime, hostil aos movimentos de libertação e à independência das colónias


quarta-feira, 4 de maio de 2011

LUÍS DE FREITAS BRANCO - POEMAS SINFÓNICOS

POEMAS SINFÓNICOS









Antero de Quental | Paraísos Artificiais

Vathek | Solemnia Verba



Orquestra Filarmónica de Budapeste

András Kórodi



Orquestra Sinfónica do Estado Húngaro

Gyula Németh


Informação detalhada:


POEMAS SINFÓNICOS / SYMPHONIC POEMS

1 ANTERO DE QUENTAL 12´43”
Budapest Philharmonic Orchestra - András Kórodi


2 PARAÍSOS ARTIFICIAIS 11´51”

Hungarian Symphonic Orchestra - Gyula Németh



VATHEK

Budapest Philharmonic Orchestra - András Kórodi

3 Toque de Introdução 2´09”

4 Tema e Prólogo 4´19”

5 Variação I 1´55”

6 Variação II 3´45” 
7 Variação III 1´03” 
8 Variação IV 4´51”
9 Variação V 4´07”
10 Epílogo 4´32”
11 SOLEMNIA VERBA 15´16”
Hungarian Symphonic Orchestra - Gyula Németh



Total playing time 64´31”




Antero de Quental

por João de Freitas Branco



Como se tornou seu hábito, Luís de Freitas Branco pôs, a seguir às barras de fecho da partitura do poema sinfónico Depois duma leitura de Antero de Quental, a data em que as traçou: 1 de Janeiro de 1908. Tinha apenas dezasseis anos, completados oitenta dias antes. Do mesmo período são a primeira Sonata para violino e piano, os Albumblatter para piano solo, as peças para canto e piano A Formosura (Camões) e Canção Portuguesa, sobre versos populares, e mais dois poemas sinfónicos de inspiração literária, irmãos do anteriano: Depois de uma leitura de Júlio Dinis e Depois duma leitura de Guerra Junqueiro.

A fórmula Depois duma leitura de... vinha de Liszt. Mais tarde Luís de Freitas Branco preferiu intitular o poema sinfónico gravado no presente disco simplesmente Antero de Quental, para evitar a confusão com outra obra sua, imagem musical do soneto Solemnía Verba, escrita em 1952. A segunda composição orquestral anteriana, embora representativa do autor, não diminui porém minimamente os significados da primeira. Esta não só traduz uma invulgar maturidade como, sem esquecer os valores prioritários da Sinfonia "Á Pátria”, de Vianna da Motta, constitui, tanto quanto sei, o mais conseguido exemplo, na história da música portuguesa até então, de assimilação do Wagnerismo para-expressionista. Compreendem-se assim as afinidades com o Schönberg anterior à total dissolução da tonalidade, sem implicação de qualquer influência directa do futuro instaurador do dodecafonismo serial.

Note-se que não irão apontar neste mesmo sentido os vectores determinantes da ulterior evolução de Luís de Freitas Branco. As ideias do adolescente haviam de manter-se ainda algum tempo bem diferentes das que vieram a ser as do quinquagenário e do sexagenário, conquanto se manifestassem já algumas constantes, nomeadamente o culto de um meridionalismo da latinidade (de que, aliás, se não encontra qualquer traço no poema sinfónico Antero de Quental). Da entrevista publicada no jornal Novidades de 17 de Março de 1911: «Eu tenho, creia, o maior interesse em provar ao meu país, que sou, fundamentalmente, dentro da minha arte, um Português. Ontem como ouviu, José Júlio Rodrigues, aludindo à minha filiação musical falou em Mussorgsky e Debussy. É certo que me tenho inspirado muito nos processos desses grandes músicos - como não podia deixar de ser -, para me integrar no meu tempo. Mas, o que é facto, é que, inconscientemente, e segundo o próprio meu amigo crítico tem notado, existe nas minhas produções um fundo de meridionalismo que não é daqueles dois meses - que é do meu sangue». O que Luís de Freitas Branco a seguir confiou ao entrevistador é-nos hoje especialmente útil, para entendimento das ideias de que havia brotado o poema sinfónico Antero de Quental: «De resto, o fim a que viso é justamente adaptar este profundo religiosismo da nossa raça, à actual fase da música, essencialmente psicológica e idealista, livre de qualquer peia de forma ou de regra».

Livre de qualquer peia de forma ou de regra. Eis o que mais importa reter, para não procurarmos nas páginas de Antero de Quental a aplicação de normas clássicas que o autor se impôs ao escrever sonatas e sinfonias. Liberdade em todo o caso relativa, como já o prova o que há de regra num instrumental feito de 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes em lá, clarinete baixo, 2 fagotes, quarteto de trompas em fá, 3 trompetes em si bemol, 3 trombones e tuba, timbales, harpa e os 5 habituais naipes de cordas.

A obra, cuja duração é da ordem dos 12 minutos, oferece-

-se-nos como uma só sequência de imagens oníricas, como um sonho agitado mas contínuo, perturbado mas consequente, que atinge, sensivelmente a meio, o auge da intensidade e finalmente serena, mais em exaustão ou resignação do que em libertação. É propositadamente que não se sujeita aqui este quadro subjectivo ao confronto com qualquer presumível leitura inspiradora. A esse tipo descritivo de preparação do ouvinte parece hoje preferível uma informação, ainda que sucinta, sobre a partitura como entidade musicalmente autónoma, para correcção objectivante das meras impressões psico-auditivas de associação literária.





PARAÍSOS ARTIFICAIS por Humberto d\\'Ávila



Duas páginas de Luís de Freitas Branco, o quarto número de Folhas de Álbum (1907) e os Quatro poemas de Baudelaire (1909), são das primeiras a testemunhar a influência do impressionismo que terá, na obra do compositor, a sua mais expressiva cristalização no poema sinfónico Paraísos Artificiais, datados de 1910.

Inspirado nas Confissões dum fumador de ópio de Thomas de Quincey, manifesta-se nessa relação a forte cultura literária do jovem artista, então apenas com vinte anos, cultura literária que se projecta na sua produção musical dessa época, expressa já anteriormente na série de meditações sinfónicas Depois duma leitura de Antero de Quental e Depois duma leitura de Júlio Dinis (ambas de 1908) e nas canções com poesias de Baudelaire; como posteriormente em Vathek, variações sobre um tema oriental, baseado num conto de William Beckford, e no tratamento musical de versos de poetas como Camões, Antero, Mallarmé, Maeterlinck e outros.

Em Paraísos Artificiais, que adoptam o título da tradução francesa de Baudelaire, evocam-se mais do que se descrevem as visões e sensações que assolam a mente perturbada de um opiado: "Parecia-me estar a distância e acima dos ruídos da terra. Aqui havia a esperança que floresce à margem dos caminhos da vida, reconciliada com a paz das sepulturas. O ópio subtil e poderoso cria imagens superiores à arte de Fídias e Praxíteles, constrói cidades e templos com o esplendor da Babilónia e Hecatamplos, faz que se inclinem sobre nós rostos radiosos há muito desfeitos em cinza e pó, e oferece-nos, enfim, as chaves do Paraíso.

"Todas as noites me sentia desaparecer, não metaforicamente, em abismos dos quais me seria impossível emergir. Imagens de antigas eras ressuscitadas e postas diante dos meus olhos, como fantasmas vestidos de antigos sofrimentos meus, que a mim os tomavam instantaneamente reconhecíveis".

A partitura que teve a primeira audição nos concertos de Pedro Blanch, em 1913, com grande escândalo público, obedece a um plano tripartido: exposição, desenvolvimento e reexposição.

Uma curta introdução, de andamento lento, na qual se nota já o emprego característico de glissandi nas duas harpas, antecede a primeira parte construída sobre dois temas principais: um no oboé (Moderadamente animado), a que o clarinete responde, e outro na trompa, repetido e desenvolvimento nos violinos. Depois duma suspensão, a segunda secção (Moderato) estabelece uma atmosfera nitidamente impressionista, a que o sistro empresta logo de início uma alusão de sonho, que se amplia com efeitos de colorido tímbrico (sonoridades de celesta, insistência no glissando das harpas), até, por um crescendo orquestral, à completa alucinação. A terceira secção (Lento) recapitula o material temático, mas, tal como as \\"Imagens antigas\\" aparecem ao fumador de ópio, agora sob uma forma deformada e com uma harmonização cambiante, que vem a dissolver-se numa breve conclusão, nebulosa e nocturna.





VATHEK por Nuno Barreiros



A estreia tempestuosa, em 1913, do poema sinfónico Paraísos Artificiais (baseado nas «Confissões de um Fumador de Ópio» de Thomas de Quincey), cuja linguagem chocou vivamente a generalidade do público do antigo Teatro República de Lisboa figura como acontecimento importante e significativo na História da moderna arte nacional. No mesmo ano da estreia de Paraísos Artificiais, Luís de Freitas Branco trabalhava em Vathek, que é também um poema sinfónico e se inspira no célebre conto homónimo de William Beckford (1760-1944), escritor que está bastante ligado ao nosso País, pois aqui permaneceu largo período, tendo deixado um diário e diversas cartas e memórias em que notavelmente, e por vezes acirradamente, descreve e comenta a sociedade portuguesa da época.

O referido conto, aliás originariamente em francês, não obstante o autor ser inglês (a versão inglesa não se deve a Beckford), foi mais tarde objecto do interesse e de um prefácio de Mallarmé. Reflectindo aquele engodo pelo exotismo e pelo orientalismo que se espalhou pela Europa no século XVIII e que transparece, por exemplo, nas Lettres Persannes de Montesquieu ou no Rapto do Serralho de Mozart, constitui, afinal de contas, uma abordagem literária — em termos de moralidade e, de certo modo, também de sátira — do mundo fabuloso. Por essa via buscavam-se, outros esquemas mentais ou alegorias que se afastavam da imaginística e das tradições do Ocidente, dos seus padrões largamente imbuídos de um racionalismo de raiz greco-latina. O que não impede que se divisem no célebre canto de Beckford alguns paralelos com mitos ou símbolos arreigados na cultura e nas lendas ocidentais. 

Assim há qualquer coisa de faustiano (como também de autobiográfico em relação ao próprio Beckford) na personagem de Vathek procurando a sabedoria e o poder e mergulhando em sensualidade.

Tendo subido muito jovem ao trono, Vathek, novo Califa da raça dos Abassidas, filho de Motassem e neto de Haroun AI-Rachid, despertava no seu povo, em face das qualidades que o distinguiam, a esperança de um reinado longo e feliz.

Não achando bastante vasto o palácio mandado construir pelo pai acrescentou-lhe mais cinco alas, ou antes, cinco outros palácios, destinando-se cada um deles à satisfação de um dos cinco sentidos. No primeiro desses palácios, designado “Festim Eterno” ou “Insaciável”, as mesas estavam sempre repletas dos mais requintados manjares e os vinhos mais delicados e os melhores licores brotavam de cem fontes que nunca secavam. O segundo palácio, o “Tempo da Melodia” ou o “Néctar da Alma”, era habitado pêlos melhores poetas e músicos. “Delícias dos Olhos” ou “O Suporte da Memória” era o nome do terceiro palácio em que se viam as raridades mais preciosas e uma galeria de quadros e estátuas que pareciam animados. O palácio dos Perfumes, que se chamava também “Aguilhão da Volúpia”, dividia-se em várias salas. Lâmpadas aromáticas permaneciam acesas mesmo durante o dia. E para dissipar a embriagues que ali reinava, descia-se a um vasto jardim em que se respirava um ar suave e reconfortante. O quinto palácio intitulava-se “O Reduto da Alegria” ou “O Perigo”. Ali se encontravam grupos de encantadoras jovens que se encarregavam de distrair o Califa e os seus convidados.

Vathek não se entregava apenas aos prazeres, à sensualidade. Ansiava por saber, por tudo conhecer, até “ciências que não existem”. E tinha estudado muito, gostava de discutir com os maiores sábios. Mas queria ter sempre razão.
A moralidade da história alude ao “castigo das paixões desenfreadas e dos actos cruéis” e à “punição da curiosidade cega, que quer penetrar para lá dos limites que o Criador pôs ao conhecimento humano; da ambição que, querendo alcançar a ciência reservada às mais puras intelegências, somente atinge um orgulho insensato”. E o conto termina assim: “o Califa Vathek que, para mil crimes, viu-se presa de remorsos e de uma dor sem fim; e também o humilde, o desprezado Gulchenrouz, passou séculos na doce tranquilidade e no bem-estar da infância”.
No seu poema sinfónico Luís de Freitas Branco não pretendeu descrever ou seguir em pormenor as peripécias da narrativa de William Beckford. Cingiu-se fundamentalmente aos dados genéricos alusivos às características dos diversos palácios, que procurou evocar musicalmente, e nas derradeiras páginas da partitura (”Epílogo”) evoca o termo da existência terrena do Califa e, de certo modo, a moralidade conclusiva do conto, recusando, portanto, um desfecho triunfalista e grandiloquente. Assim se compreende a relativa sobriedade do “Epílogo” em confronto com a pujança sonora e o brilhantismo da maioria dos trechos anteriores. Neste ponto final da obra aproxima-se mais das conclusões resignadas ou um pouco desencantadas de alguns poemas sinfónicos de Ricardo Strauss, ainda que o espírito e o estilo da obra do compositor português se movam em parâmetros muito diversos.
Em Vathek Luís de Freitas Branco utilizou um tema árabe autêntico, que vem transcrito na “História da Música” de Ambros, e construiu a obra em forma de variações, bem contrastantes entre si e tratadas com firme sentido do colorido orquestral. Cada uma das variações corresponde a um dos palácios mandados edificar pelo Califa. Antes da primeira exposição do tema figura uma fanfarra, que é, por sinal, uma das páginas mais características e arrojadas quanto à linguagem harmónica. O carácter da obra é predominantemente impressionista, mas também se notam alguns laivos tipicamente expressionistas (por exemplo na 1ª variação - “Festim Eterno”), assim como certo influxo de clima wagneriano. Determinadas passagens inserem-se já numa perspectiva francamente atonal. Devem referir-se também com destaque, tanto pela sua constituição menos vulgar para a época como pelo seu efeito tímbrico, dois acordes integrando os doze graus da escala temperada e obtidos por rigorosa sobreposição de quartas. Porém o trecho mais curiosamente evoluído reside na 3ª variação (”Delícias dos Olhos”). Trata-se de um fugato a 59 partes destinado aos naipes de cordas, cujo significado é verdadeiramente histórico no âmbito da produção musical portuguesa, e não só. Ao valor e alcance desta página, como ainda da totalidade da partitura em que se integra, refere-se, em termos inequívocos, o compositor Jorge Peixinho, ao escrever: «o poema sinfónico Vathek representa hoje o ponto culminante da produção de Luís Freitas Branco, simultaneamente a sua obra mais arrojada e original, a obra em que a dialéctica forma-material se resolve de maneira mais perfeita a integrada e, sem dúvida, a mais bela peça de música escrita em Portugal depois dos princípios do século XIX. A célebre variação fugata a 59 partes reais assinala a singular antevisão por Luís Freitas Branco de um microcosmos musical só muito mais tarde descoberto e sistematizado. O compositor, ao servir-se de uma técnica contrapontística clássica aplicada a um número de partes reais que supera as possibilidades auditivas de individualização polifónica, transcende dialecticamente o processo formal do fugato para chegar a um estado de textura, na época absolutamente inédito. A referida variação dura pouco mais de um minuto, e esse minuto é justamente o único em que a música em Portugal atinge o nível e a importância das outras artes no mesmo período histórico a melhor poesia de um Pessoa e de um Sá Carneiro, a melhor pintura de um Sousa Cardoso e de um Almada. No entanto, a imaginação construtiva de Freitas Branco não se reduz à aludida variação “fugata” e revela-se em muitos outros aspectos no decorrer do Vathek; basta recordar o final da última variação, em que a preparação de uma reexposição virtual conduz inesperadamente a um acorde final, que nada fazia, prever.»
Já depois de 1940, o compositor sujeitou a revisão ou a modificações substanciais alguns dos trechos de Vathek. Mas não foi assim no caso da famosa 3ª variação.



SOLEMNIA VERBA por Humberto d'Ávila



Com esta obra, Luís de Freitas Branco volta em 1951 a Antero de Quental, sob a impressão do soneto com este título:

Disse ao meu coração: Olha por quantos

Caminhos vãos andámos! Considera 

Agora, d\\'esta altura fria e austera, 

Os ermos que regaram nossos prantos...

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos! 
E noite, onde foi luz de Primavera! 
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!
Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida
E no uso do penar tomado crente.



Respondeu: D'esta altura vejo o Amor! 

Viver não foi em vão, se é isto a vida,

Nem foi de mais o desengano e a dor.



(1880-1884)



Na primeira página da partitura, que está datada da noite de 4 de Novembro daquele ano, o autor escreveu, como quarenta e cinco anos antes noutra página: “Depois duma leitura de Antero de Quental". Para não se confundir com a obra anterior deste título, o compositor propôs, nos últimos anos, que a mais antiga passasse a designar-se apenas por “Antero de Quental". O uso, porém, tem a sua força e tudo leva a crer que o primitivo título fique em definitivo para a primeira obra e a segunda se generalize, simplesmente, com aquele por que já é conhecida: Solemnia Verba.

A densidade de pensamento do soneto inculca a seriedade de expressão visada na partitura, que o compositor tratou sob a forma, que lhe era cara, de tema com variações, já utilizada em Vathek. Isso permitiu-lhe acompanhar de perto o desenvolvimento do texto poético, encontrando para cada passo a adequada correspondência musical. Cada variação é assim ilustrada com os respectivos versos que lhe servem de epígrafe ou aparecem, por vezes, no seu decurso, com uma intencionalidade que chega a obrigar o ritmo musical a colar--se ao das palavras.

A obra compõe-se de Introdução e sete Variações.

Introdução ("Disse ao meu coração"), Largo. Um fundo de trémulos e harpejos, a começar em metade dos violoncelos divididos e a que se vão juntando outras massas instrumentais, num crescendo gradual que não é só dinâmico mas também acumulado, prepara uma atmosfera sombria onde um austero tema se individualiza sucessivamente no fagote, na outra metade dos violoncelos, no clarinete baixo e na trompa.

A 1ª variação ("Olha por quantos caminhos vãos andámos!") Adagio, evoca, por meio dum despojado diálogo entre trombone e trombeta, nos registos graves, a triste paisagem descrita na primeira quadra. Na 2ª variação ("Pó e cinzas"). Andante sostenuto, um novo crescendo passa da desolação anterior para uma breve peroração mais animosa, que sublinha a expressão ("Onde houve flor e encantos"), com o clímax na última palavra. A 3ª variação, Moderato, mais cheia orquestral mente, estabelece um ambiente de transição, sobre um passo ostinato nas madeiras. A 4ª variação ("E noite"), Adagio, com um certo carácter de pastoral, assume uma expressão lírica na larga frase entoada por violetas e violoncelos. Na 5ª variação, Animato, a tonalidade vai-se aclarando à medida que transparece um sentimento de melancólica paixão na alusão a "Onde foi luz de Primavera!". A 6ª variação, Largamente, é um trecho essencialmente harmónico, de natureza coral, por onde, através de várias gradações dramáticas, perpassam os acentos de "Olha a teus pés o mundo... e desespera" e, só nas cordas, "Semeador de sombras e quebrantos!". A 7ª variação ("Porém o coração, feito valente na escola da tortura repetida"). Tempo de mareia, coroa a obra com a sua progressão rítmica, cuja crescente exaltação, à epígrafe "Respondeu", se transmuda (Adagio sostenuto) num canto vibrante em que quase ouvimos entoar, sílaba a sílaba, a lição derradeira do soneto: "D'esta altura vejo o Amor!".

Uma enérgica coda, Piú lento, remata a obra com uma cadência em planos ascendentes, que vai do muito piano ao fortíssimo.



PortugalSom é uma colecção de discos do Estado Português dedicada à divulgação da música portuguesa. A colecção teve origem em 1978 com a criação da Discoteca Básica Nacional que, em 1987, deu origem à etiqueta PortugalSom, em parceria com a editora Strauss e recentemente com a editora Numérica.

Fazem parte desta colecção cerca de uma centena de títulos dedicados a compositores, intérpretes e à música tradicional portuguesa.




Ref.: PS 5016

QUARTETO COM PIANO op. 26 | TRIO COM PIANO op. 58 | SEXTETO DE CORDAS op. 59

JOLY BRAGA SANTOS
Aníbal Lima | Cecília Branco | Leonor Braga Santos | 
António José Miranda | Paulo Gaio Lima | 
Irene Lima | António Faca Rosado




Joly Braga Santos (1924-1988), reconhecido internacionalmente como um dos grandes autores sinfónicos dos meados do século vinte, era também um hábil compositor de música de câmara. Este CD, parte de uma série de gravações que constituem o catálogo PortugalSom, proporciona uma avaliação alargada dos talentos de Braga Santos, através de três peças de câmara que evidenciam a sua constante evolução enquanto compositor: o Quarteto com Piano, op. 26 (1957), o Trio com Piano, op. 58 (1985), e o Sexteto de Cordas op. 59. Estas obras foram executadas com a convicção e a autoridade de intérpretes portugueses próximos de Joly Braga Santos (entre eles, a sua filha), incluindo os músicos que estrearam a op. 59. É um registo essencial para o ouvinte que procura uma compreensão polivalente deste multifacetado compositor em particular, e da música de câmara Portuguesa do século vinte, em geral.

Informação detalhada:

Joly Braga Santos

QUARTETO COM PIANO op. 266

1 Quarteto com piano op. 26 / Quartet with Piano op. 26 15´29”

TRIO COM PIANO op. 58
2 Largo 5´44”
3 Allegro 6´23”
4 Adagio 13´06”


SEXTETO DE CORDAS op. 59

5 Molto Largo 8´17”

6 Allegro ben marcato, ma non troppo 6´16”

7 Andante - Allegro 5´13”

Total playing time 60´34”

Aníbal Lima, violino
Cecília Branco, violino
Leonor Braga Santos, viola
António José Miranda, viola
Paulo Gaio Lima, violoncelo
Irene Lima, violoncelo
António Faca Rosado, piano

PortugalSom é uma colecção de discos do Estado Português dedicada à divulgação da música portuguesa. A colecção teve origem em 1978 com a criação da Discoteca Básica Nacional que, em 1987, deu origem à etiqueta PortugalSom, em parceria com a editora Strauss e recentemente com a editora Numérica.
Fazem parte desta colecção cerca de uma centena de títulos dedicados a compositores, intérpretes e à música tradicional portuguesa.



Ref.: PS 5015


LIEDER - JOSÉ VIANA DA MOTA

ELVIRA ARCHER, Soprano / 
ANTON ILLEMBERGER, Piano





LIEDER
José Viana da Mota

Elvira Archer, soprano
Anton Illemberger, piano


Informação detalhada:


LIEDER
José Viana da Mota

1 Das Bächlein 2´18”
2 Frühlingsregen 4´33”
3 Sonntag 2´32”
4 Wiegenlied 3´33”
5 Geffunden 1´23”
6 Gute Nacht 2´33”
7 Im Volkston 1´24”
8 Die Jungfrau Im Walde 4´07”
9 In Der Dämmerrung 2´37”
10 Erfüllung 2´36”
11 Umflort, Gehüllt In Trauern 3´02”
12 Johannistag 2´05”
13 Das Lied Vom Falkensteiner 1´02”
14 Ein Briefelein 1´16”
15 Monikas Traum 2´47”
16 A Estrela 1´57”
17 Canção Perdida 3´50”

Total playing time 44´37”




PortugalSom é uma colecção de discos do Estado Português dedicada à divulgação da música portuguesa. A colecção teve origem em 1978 com a criação da Discoteca Básica Nacional que, em 1987, deu origem à etiqueta PortugalSom, em parceria com a editora Strauss e recentemente com a editora Numérica.

Fazem parte desta colecção cerca de uma centena de títulos dedicados a compositores, intérpretes e à música tradicional portuguesa.




Ref.: PS 5014



MÚSICA CORAL - FERNANDO LOPES-GRAÇA

CORO GULBENKIAN





MÚSICA CORAL
Fernando Lopes-Graça

Coro Gulbenkian
Maestro: Jorge Matta


Informação detalhada:


MÚSICA CORAL
Fernando Lopes-Graça

DOS ROMANCES VIEJOS
1 Romance de Rosa Fresca 2´40”
2 Romance de Fontefrida 2´05”

EM LOUVOR DO SOL
3 Em Louvor do Sol 2´50”
4 Enxada à Terra 2´43”
5 PARA AS RAPARIGAS DE COIMBRA 3´34”

QUATRO REDONDILHAS DE CAMÕES
6 Se Helena Apartar 2´31”
7 Falso Cavaleiro Ingrato 2´49”
8 Tende-me Mão Nele 1´58”
9 Verdes são os Campos 1´59”

TRÊS LÍRICAS CASTELHANAS DE CAMÕES
10 Ojos, Herido me Habeis 3´26”
11 De Vuestros Ojos Centellas 1´29”
12 Dó la mi Ventura? 3´48”

TRÊS ESCONJUROS
13 Contra os maus Encontros 1´08”
14 Contra os Maridos Transviados 1´16”
15 Contra as Trovoadas 2´04”

CANÇÕES DE MARINHEIROS
16 A Despedida do Marujo 1´41”
17 Levantar Ferro 1´22”
18 A Sorte do Marinheiro 1´07”
19 A Roupa do Marinheiro 1´05”
20 Os olhos do meu Amor 1´01”
21 Não Chores, Amor, não Chores 2´14”
22 O Vento do Noroeste 0´49”

Total playing time 45´42”

Sopranos
Clara Coelho, solista em 8
Graziela Lé, solista em 8
Marisa Figueira, solista em 8, 14
Mónica Santos, solista em 6, 14
Rosa Caldeira, solista em 6, 9
Susana Duarte, solista em 2, 5, 9, 14
Teresa Azevedo
Verónica Silva

Contraltos
Catarina Saraiva
Inês Martins
Mafalda Borges Coelho, solista em 14
Manon Marques, solista em 8
Michelle Rollin, solista em 7, 8, 14
Patrícia Mendes, solista em 6
Tânia Valente, solista em 8

Tenores
Aníbal Coutinho, solista em 11
Filipe Faria
João Branco
João Custódio
João Paulo Moreira, solista em 5
Pedro Teixeira
Sérgio Peixoto

Baixos
Artur Carneiro
Fernando Gomes
João Luis Paixão
José Pedro Bruto da Costa
Manuel Rebelo
Mário Almeida
Rui Borras






PortugalSom é uma colecção de discos do Estado Português dedicada à divulgação da música portuguesa. A colecção teve origem em 1978 com a criação da Discoteca Básica Nacional que, em 1987, deu origem à etiqueta PortugalSom, em parceria com a editora Strauss e recentemente com a editora Numérica.

Fazem parte desta colecção cerca de uma centena de títulos dedicados a compositores, intérpretes e à música tradicional portuguesa.




Ref.: PS 5011



LUÍS DE FREITAS BRANCO - MADRIGAIS CAMONIANOS

CORO GULBENKIAN





MADRIGAIS CAMONIANOS
Luís de Freitas Branco

Coro Gulbenkian
Maestro: Fernando Eldoro

PRIMEIRA EDIÇÃO


Informação detalhada:


MADRIGAIS CAMONIANOS
Luís de Freitas Branco

MADRIGAIS CAMONIANOS PARA CORO MISTO A CAPPELLA (1930-43)
1 I - Doces lembranças 3´39”
2 II - Qual tem a borboleta 2´09”
3 III - Eu cantei já 1´40”
4 IV - No mundo 1´12”
5 V - Que esperais 2´15”
6 VI - O céu, a terra 2´37”
7 VII - Alegres campos 1´35”
8 VIII - Num bosque 1´22”
9 IX - Pois meus olhos 2´32”
10 X - Como fizeste 2´53”

MADRIGAIS CAMONIANOS PARA CORO MASCULINO A CAPPELLA (1943-49)
11 I - Se me desta terra fôr 1´52”
12 II - Verdes são as hortas 2´59”
13 III - Aquela cativa 1´39”
14 IV - Há uma questão 1´15”
15 V - O Fogo 2´51”
16 VI - Descalça vai pela neve 2´14”
17 VII - Menina não sei dizer 1´53”

MADRIGAIS CAMONIANOS PARA CORO MASCULINO A CAPPELLA (1943-49)
18 VIII - De que me serve 2´19”
19 IX - Campos bem aventurados 2´23”
20 X - Males 1´52”

MADRIGAIS CAMONIANOS PARA CORO FEMININO A CAPPELLA (1943-49)
21 I - Apartaram-se os meus olhos 2´40”
22 II - Saudade minha 1´07”
23 III - Falso cavaleiro ingrato 1´26”
24 IV - A dor que a minha alma sente 1´06”
25 V - Se a alma ver-se não pode 2´18”
26 VI - Tende-me mão 1´27”
27 VII - Verdes são os campos 1´30”
28VIII - Pois dano me faz 3´42”

Total playing time 58´14”


Sopranos
Clara Coelho
Graziela Lé
Mónica Santos
Raquel Alão
Rosa Caldeira
Susana Duarte
Verónica Silva

Contraltos
Carolina Figueiredo
Joana Nascimento
Mafalda Borges Coelho
Michelle Rollin
Patrícia Mendes
Sónia Ferreira

Tenores
Filipe Faria
João Branco
João Custódio
João Moreira
Rui Miranda
Sérgio Peixoto

Baixos 
Artur Carneiro
João Valeriano
José Bruto da Costa
Manuel Rebelo
Rui Baeta
Salvador Mascarenhas




PortugalSom é uma colecção de discos do Estado Português dedicada à divulgação da música portuguesa. A colecção teve origem em 1978 com a criação da Discoteca Básica Nacional que, em 1987, deu origem à etiqueta PortugalSom, em parceria com a editora Strauss e recentemente com a editora Numérica.

Fazem parte desta colecção cerca de uma centena de títulos dedicados a compositores, intérpretes e à música tradicional portuguesa.




Ref.: PS 5010